Embora não esteja disponível nas prateleiras das corretoras há muito tempo, os fundos de investimento nas cadeias agroindustriais (Fiagros) caíram no gosto das pessoas físicas e forçaram a Comissão de Valores Mobiliários (CVM) a acelerar os passos para trazer normas específicas definitivas para a classe.
Pouco mais de dois anos depois de ter apresentado a Resolução CVM 39, a CVM informou nesta terça-feira (31) que iniciou o processo de consulta pública para debater uma proposta de norma específica para os Fiagros.
A grande novidade está na possibilidade de criar uma espécie de “Fiagro multimercado”, que poderia alocar em tipos diferentes de ativos, o que não é permitido hoje.
A explicação é que, para ganhar tempo, a CVM publicou, em julho de 2021, uma resolução provisória e em caráter experimental que permitia que os Fiagros pudessem ser inseridos em “três tipos de caixinhas”: fundos de investimento imobiliários (FIIs), fundos de investimento em participações (FIPs) e fundos de investimento em direito creditório (FIDCs).
Dessa forma, Fiagros que aplicassem mais de um terço da carteira em ativos imobiliários deveriam obedecer às regras de FIIs. O mesmo valia para Fiagros que se assemelhassem aos FIPs e aos FIDCs, que deveriam alocar mais de um terço em direitos creditórios e participações em companhias fechadas e sociedades limitadas, respectivamente.
Agora, a ideia da CVM é permitir que, sempre que a concentração em cada uma das classes de ativos, como imóveis rurais, direitos creditórios ou participações em companhias fechadas ou sociedades limitadas, for inferior a um terço da carteira, o produto poderá ser considerado um Fiagro multimercado, como explica José Alves Ribeiro Jr, sócio de mercado de capitais do VBSO Advogados.
“É necessário ter essa regra porque o Fiagro multimercado tem um escopo de atuação possível mais amplo do que um FII, FIP, ou FIDC, isoladamente. É como se fosse um mix dos três no mundo do agronegócio”, acrescenta Júnior.
Embora a CVM tenha usado o termo multimercado, o sócio do VBSO Advogados afirma que a ideia é que o novo tipo de Fiagro mantenha a isenção de Imposto de Renda para a pessoa física nos rendimentos, tão característica da classe.
Segundo o texto aprovado recentemente pela Câmara referente ao Projeto de Lei que trata das offshores e da tributação em fundos fechados, a isenção do IR somente seria válida para Fiagros com, no mínimo, 100 cotistas. Atualmente, são 50 e o Governo propôs 500. O PL agora segue agora para a análise dos senadores.
Outros pontos importantes trazidos pela consulta pública e que podem afetar o investidor envolvem a possibilidade de que os Fiagros multimercados aloquem em ativos do mercado voluntário de carbono, o que poderia ampliar o escopo de exposição.
“Traz flexibilidade para mais ativos serem ‘encarteirados’”, diz Bruno Ourique, sócio do Cepeda Advogados, que acrescenta que isso poderia ser uma vantagem, já que fundos de investimento no geral só podem alocar no mercado regulado.
Embora a mudança proposta pela consulta possa trazer mais diversificação para as carteiras, Ourique defende que será preciso um trabalho conjunto dos distribuidores com os investidores para entender se a alocação está de acordo com o seu perfil.
“O varejo está acostumado com o regramento do Fiagro FII. Agora, ele vai poder ter um pouco de FIDC e FIP também. Ao mesmo tempo em que ele ganha flexibilidade, vai ser importante receber mais conteúdo informacional, porque é um investimento diferente e pode ter mais risco”, acrescenta o advogado.
A consulta pública da CVM irá até 31 de janeiro do ano que vem. Considerando os prazos propostos pela autarquia, o advogado do VBSO acredita que a edição de uma nova regra específica para Fiagros poderia ocorrer em até seis meses após o fechamento da audiência pública.
Fiagros
Enquanto a indústria de fundos como um todo tem sofrido com captações líquidas negativas ao longo de 2023, os Fiagros têm remado contra a corrente e apresentado mais depósitos do que resgates no acumulado do ano, no valor de R$ 2,6 bilhões.
Em setembro, por exemplo, as entradas líquidas somaram R$ 153,3 milhões, o que representou uma volta das captações ao campo positivo — depois que os Fiagros registraram saídas líquidas de R$ 26,2 milhões em agosto. Os dados são da Associação Brasileira das Entidades dos Mercados Financeiro e de Capitais (Anbima).
As emissões de Fiagros também têm mantido certa resiliência em um ano em que a janela de ofertas de ações e de títulos no mercado primário fechou, ou ficou suspensa. No acumulado do ano, o montante alcançou R$ 7,2 bilhões.
Já em setembro, as ofertas de Fiagros chegaram a R$ 1,1 bilhão, acima dos R$ 779 milhões vistos em agosto.
Outro dado chama a atenção: a presença de pessoas físicas entre os subscritores das emissões — número que chegou a 78% em setembro.
A título de comparação, fundos de investimento e investidores institucionais representaram 10% e 4%, respectivamente, dos subscritores no mês passado.